quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Sobre o tópico do momento


Um pitbull feriu gravemente uma menina, que viria a falecer dessas lesões. A lei que temos aponta a solução do costume: matar o cão. Eu não concordo que esta decisão esteja sequer perto de ser chamada de solução. 

Já começa a irritar-me o complexo de inferioridade das pessoas que acreditam que o cão deve ser abatido e que acreditam que quem diz o contrário está só a armar-se em moralista e superior. Deixem-se desse argumento porque só vos fica mal assumir que reconhecem uma alternativa mais próxima do ideal, a ser aplicada a casos como este, mas que recusam apontar como viável porque é trabalhosa! Ah, isto é Portugal, e está fácil de ver que eu sou um Português dos que se acomodam. Daqueles que falam demais, de dedo em riste, e fazem de menos. É o que leio do vosso discurso pseudo-realista, e já não tenho paciência para vos aturar. 

Na minha opinião o cão não teve culpa: o bebé caiu em cima do cão, num ambiente confinado e às escuras. Qualquer pessoa se assustava e provavelmente empurrava violentamente o que lhe caiu em cima, nas mesmas circunstâncias. O cão reagiu igualmente de forma instintiva, com consequências graves. Quem vivia naquela casa e deixou os dois às escuras numa cozinha, é que devia estar a ser julgado com severidade neste momento.

Quem não percebe nada de treino de animais irracionais (treinar os racionais já é uma carga de trabalhos, quanto mais os outros), especialmente de cães, acha que é impossível perceber o estado psicológico em que se encontra um espécime daquela raça. Mas está errado. ESTÃO ERRADOS, não sei se fui clara. Se fizerem uma simples pesquisa online ficarão elucidados sobre técnicos formados para avaliar o estado psicológico dos cães -- semelhante a um psiquiatra de humanos. E para os mais cépticos: sim, há esses técnicos em Portugal. 

Além disso, há também um conjunto de pessoas treinadas para reabilitar cães. O que é que isto significa? Não lhes ensinam "vem cá, senta, deita, dá a pata". Nada disso. Ensinam ao cão que comportamento se espera deles (que normalmente passa por ignorar qualquer foco de acção, que anteriormente despertaria atenção) e canalizam a energia dos cães para uma forte componente de exercício e disciplina. Aliás, a exemplo do que qualquer pessoa com acesso a um teclado deveria fazer em vez de se dedicar a atacar pessoas online: vão correr para libertar essa energia acumulada, em vez de darem corda aos dedos e à língua afiada que têm. 

Volto a referir que não me surpreende quem tem medo de que o cão volte a atacar. É perfeitamente compreensível que assim seja. Mas reparem que só parece tão difícil perceber em que condições se encontra o cão, porque não têm nenhuma formação na área. Desconhecendo completamente este tópico tornam-se cépticos. É normal. O que não é normal é que se fechem nesse mundo de cepticismo e se recusem a ouvir as outras pessoas.

É o mesmo que acharem que um fenómeno paranormal se passa numa casa velha, onde as tábuas rangem no silêncio da noite e onde vêem (ver de ver) fantasmas. Não vão acreditar que a casa não está assombrada, a menos que alguém vos explique que a casa está coberta (por trás da tinta) de um bolôr comum em casas velhas, reconhecido cientificamente, que causa alucinações. A explicação existe, mas têm de ouvir os outros. E a solução também: remover o bolôr tóxico das paredes. Se simplesmente mudarem de casa, o problema não vai desaparecer.

A mesma coisa acontece com este cão: matar este cão em particular não resolve problema nenhum, nem sequer conforta ninguém, porque infelizmente a menina não vai voltar. Não tenham medo do fantasma: o cão pode mesmo ser reabilitado. Foquemo-nos então em fazer pressão para que legislação mude. Os donos dos cães devem ter formação antes de serem autorizados a ter um animal de estimação (a exemplo do que acontece na Suíça), e humanos interessados em raças potencialmente perigosas deveriam receber formação extra não só ao nível do "vem cá, senta, deita", mas também ao nível da psicologia canina -- reforço que esta área existe e está cada vez mais divulgada. Além disso, donos de animais potencialmente perigosos deveriam ser judicialmente responsabilizados por tudo o que o seu animal fizesse. Provavelmente estas medidas demoveriam muitos interessados sem capacidade de controlar um cão da envergadura de um pitbull --  há alguém que queira ser acusado de homicídio, por ter um cão que não domina?  

Os cães fazem parte da nossa realidade. Fomos nós que os retiramos de um contexto selvagem e os domesticamos, e também fomos nós que resolvemos cruzar raças para inventar outras. Se não há ninguém em Portugal com capacidade de cuidar saudavelmente de raças poderosas, então teremos de proibir a sua reprodução e importação. É que assobiar para o lado e pagar uma multa, enquanto o cão é abatido, não tem resultado como medida preventiva de acidentes graves. A legislação tem de mudar, a responsabilidade dos donos tem de aumentar, e nós -- espectadores da realidade actual -- não podemos aceitar que por estarmos em Portugal estas medidas sejam utópicas. Porque não são. E quem não se acha sequer capaz de replicar metodologias, implantadas com sucesso noutros países, pelo menos: não atrapalhe.

3 comentários:

  1. Há uns anos "adoptei" (que o termo não é este porque me foi dado por uma vizinha, quando encontrou uma caixa com uma ninhada enorme lá dentro) um cachorrinho com uma semana e pouco de vida, que vim a saber pela veterinária que era um rafeirinho mimado cruzado de pitbull. Era a coisinha mais linda do mundo. (mas, e como em todas as raças, até nos humanos, há cruzamentos de ADN que podem não correr especialmente bem, e isso vai notar-se entre outras coisas, no comportamento.)

    Eu "dividia" a educação dele com um outro espécime de raça humana que o 'treinou' para ser agressivo com pessoas de raça negra, e o cão reagia a esse treino de cada vez que alguém dessa raça se aproximava DELES DOIS, no entanto comigo, podia aproximar-se quem quer que fosse que ele só queria era brincar.

    Acho que não é dificil de perceber que aquilo, se num humano perfeitamente racional acontece, fará num cão, criou um conflito de aprendizagens no cão e a dada a altura ele começou a ter, como nós lhe chamávamos, ataques de estupidez; tinha atitudes que nós não lhe conheciamos, e um dia resolvemos levá-lo a um "psicologo de cães" (SIM, existem, e não são recentes - não são é muito divulgados), e com o tempo o belo do Hunno voltou a ser um cão perfeitamente normal. (paz à sua alminha :()
    Os donos têm, sim, MUITA (quase toda) a responsabilidade pelos actos dos seus animais.

    Tudo isto para dizer: Excelente post, ABT :)

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  2. Os teus comentários são, como sempre, preciosos Start! Obrigada pelo testemunho, é uma pena que não chegue aos olhos de mais público. Tu é que devias escrever sobre o tema*
    Beijinho cheio de admiração*

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  3. O cão tem chip, como manda a lei? Duvido.
    Tem seguro, como manda a lei? Deixem-me rir, que um grunho que quer abater um cão só porque sim, vai mesmo fazer seguro.
    A casa estava de acordo com a lei? Um apartamento, tenho dúvidas.
    Diz a lei que em caso de ataque o dono responderá pelo crime. Se é crime, tal como a condução com mais de 1.2 gr de álcool no sangue, porque razão o dono não está preso?
    Acho piada é certa gente que não sabe o que é um cão, aparecer a dar palpites, como se um animal pudesse ser morto para exemplo dos outros.
    Eu cuidava mais depressa deste cão, do que de muita gente que conheço, incluindo alguns "familiares".

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