sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Inês


Se eu morresse esta noite, sem possibilidade de comunicar com ninguém, não teria arrependimentos pelo que não disse. Percebo que, de uma maneira ou outra, sempre fui clara sobre os meus sentimentos e intenções relativamente a todos na minha vida. Pelo menos essa é a minha convicção interna, e se alguém não sentiu da mesma forma, mas não mo disse, o que poderia eu fazer para corrigir a situação?

No entanto, há alguém a quem não disse tudo o que queria. Só percebi que tinha toneladas de coisas para lhe dizer meses depois de já não o poder fazer. E isso ainda me consome.

Pese embora o tanto que amava a minha avó, não tive perspicácia para perceber que nunca mais conheceria alguém semelhante na minha vida e que, também por isso, deveria aproveitar cada instante ao máximo. E daí o tanto que ficou por dizer. Por perguntar. 

Para dizer a verdade, toda aquela perfeição não me parecia tão perfeita assim, na altura. Chegava até a... magoar-me. Queria que se tivesse revoltado, que tivesse esbravejado, que se tivesse protegido muito mais do que fez. Ela levava a sério aquela "história" bíblica de dar a outra face. E essa capacidade inacreditável de ter (realmente) dó da estupidez alheia, em vez de se revoltar contra ela (especialmente quando essa estupidez a afectava directamente de formas inimagináveis), sempre gerou todo o tipo de sentimentos de revolta em mim. Claramente bastante menos evoluída do que ela, eu só tinha vontade de abrir a cabeça ao meio àquele que lhe fazia a vida num inferno. Como não podia, dediquei-lhe apenas a mais profunda indiferença, pese embora as inúmeras tentativas de aproximação que ele sempre levou a cabo. Fomos, por minha vontade, estranhos que conviviam diariamente.

Em vez de me revoltar com as acções dele e com a falta de reacção dela, deveria, como agora, ter ficado fascinada com a sua capacidade de perdoar. E como é possível perdoar a quem magoa tanto aqueles que amamos?

Não ter aprendido mais com a presença da minha avó é, por certo, o meu maior arrependimento. Nunca mais cometi esse erro com pessoas especiais. Nem pretendo.

2 comentários:

  1. Olá querida ABT,

    As palavras vão faltar porque nestas situações não há palavras mas começo pelo fim.
    Será que cometemos erros ou será que tudo o que está menos bem faz parte do processo natural da vida e do caminho que temos que percorrer?, Nestes casos eu nunca sei, eu lamento a perda da minha avó, lamento a minha impossibilidade de ajudar, de dizer algo mais mas será que ela não está ao meu lado todos os dias.
    Para as pessoas que encaram a morte como um fim as perguntas ficam sem resposta, para as pessoas que encaram a morte como o fim de um caminho e o início do outro há perguntas com respostas e isso traz outro sentido à vida das pessoas.

    Em relação ao perdão, eu acho que devemos perdoar imagina uma pedra que pesa uma tonelada nas tuas costas e de repente a mesma fica pousada no chão, o teu caminho não se torna mais fácil?, Ela fez bem em perdoar, não elogio certos actos do outro lado mas fez bem ter essa atitude.

    Espero que encontres as respostas para estas perguntas e outras mais que te assolam e deixo um beijinho a duas grandes mulheres.*

    beijinhos e bom fim-de-semana.*

    Deixo uma pergunta final: Será que a tua avó quer que tu estejas assim e sintas isso que se passa dentro de ti?

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    1. Olá Serginho,

      Fazes perguntas que valem a pena uma reflexão mais profunda. Convido-te, mais uma vez, a transformares essas perguntas em posts! Acho que vou considerar as questões mais profundamente e abordá-las, também eu, num post mais tarde. Especialmente à primeira, porque relativamente ao perdão não tenho dúvidas da razão contida no teu exemplo/resposta

      Beijinho e bom fim-de-semana*

      P.S.: A minha avó poderia querer que eu não me sentisse assim, mas isso, por si só, não é suficiente para que eu deixe de sentir. Infelizmente, não é assim tão fácil...

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