sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sobre a doação de medula óssea


O tópico é relevante e salva vidas. No entanto, custa-me ler por essa blogosfera que pessoas que, sendo compatíveis, não dão medula óssea são mal informadas, mal aconselhadas ou, mesmo, sádicas. 

Vamos lá ver, de forma muito simplificada: o processo de confirmação de compatibilidade genética não custa nada. Retiram-se cerca de 5 ml de sangue que servirão para fazer os testes entre dador e pacientes. Fácil, fácil (da perspectiva do dador). As complicações começam quando se trata do processo de dádiva de medula. A dádiva implica: 
- anestesia (não raras vezes: anestesia geral que traz riscos acrescidos);
- pequenas incisões na pele, sobre o osso pélvico, onde é introduzida uma agulha especial para recolher um litro de medula. 

Quando tudo corre bem entre os efeitos colaterais encontram-se: dor (de vários dias a alguns meses), fadiga, rigidez no andar, e sangramento no local da recolha (porque as incisões geralmente não requerem pontos). 

Ainda que a maioria dos dadores recuperem completamente em algumas semanas, cerca de duas pessoas em cada cem tem complicações sérias quer devidas a dano no osso, nos nervos ou no músculo daquela região. Há também os problemas que podem decorrer do uso da anestesia local ou geral.

Não devemos julgar uma pessoa que tendo um dia pensado ser capaz de ajudar, se recusa num momento específico da sua vida a avançar. Porque uma coisa é corrermos todos os riscos para salvar alguém que amamos, outra coisa é amar um desconhecido ao ponto de colocar a nossa saúde presente e futura em risco. O amor move-nos nas duas situações, mas se na primeira estamos completamente cegos relativamente aos riscos, na segunda situação ponderamos, a menos que sejamos completamente inconsequentes, sobre a nossa realidade profissional e pessoal (quem temos sob a nossa responsabilidade e se o nosso gesto altruísta relativamente a um desconhecido pode afectar a(s) pessoas(s) que dependem  de nós no caso de alguma coisa correr mal).

E hoje em dia, quando os salários das famílias portuguesas parecem reduzir-se todos os meses (porque o governo decide ou porque mais um membro do agregado familiar foi despedido) até as duas a três semanas de recobro são mais do que algumas famílias podem suportar. Um trabalhador que faz uso da sua força física (como um trabalhador das obras, por exemplo) pode ficar umas semanas com dores, pequenos sangramentos e rigidez corporal, sem ver o seu emprego comprometido? (E se tiver um acidente na rua durante o tempo de recuperação, tem maior probabilidade de morrer?) Pode arriscar ficar com danos permanentes, se um nervo for afectado? E nessa situação os filhos passariam fome? Ele mesmo, o seu futuro, seria afectado? Sendo a resposta "é uma possibilidade de cerca de 2% [o risco de acidente na rua não entra nesta percentagem]", é expectável que a pessoa se assuste e precise de mais tempo para decidir o que fazer  -- não dando o "sim" imediato que o doente e a sua família tanto aguardam. Atirar pedras a essa pessoa, especialmente sem conhecer os motivos que a fazem recuar, parece-me injusto.

"Com a mesma rapidez com que julgas, serás um dia condenado" li um dia algures. 
E acredito neste pensamento.

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